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quarta-feira, 19 de abril de 2017

O encontro com uma neta de Bárbara Pereira de Alencar no Cemitério do Crato/CE

O encontro com uma neta de Bárbara Pereira de Alencar no Cemitério do Crato/CE

                                                                                                   Heitor Feitosa Macêdo

         Em uma manhã, no final do ano de 2016, eu, o pesquisador Ronald Tavares e o padre Roserlândio visitamos o antiquíssimo Sítio Pau Seco, hoje, no município de Juazeiro do Norte/CE, onde Bárbara Pereira de Alencar havia residido por longos anos.
          
Inscrição tumular da neta de D. Bárbara de Alencar.
Na verdade, a casa não existe mais, exceto o seu alicerce, posto que as paredes foram derrubadas, segundo alguns, por gente em busca de tesouros, ou melhor, botijas. Próximo à estrada “carroçável”, polvilhada de amarela piçarra, a alguns metros do Rio Batateira está um discreto outeiro, sob o qual vê-se com muita dificuldade uma sapata de pedra encoberta por pedaços de grossos tijolos adobes.
         Cacos de telhas, aqui e acolá, vão se afastando do terreiro, quase sempre carreados pelas chuvas. Além disso, ao redor dos escombros, também são vistas algumas faianças, isto é, cacos de antigas louças. Moradores da circunvizinhança noticiam sem comedimento encontrarem talheres de metal amarelo, muito provavelmente de latão.
         A uns 150 metros dos entulhos da velha casa estão as ruínas do que foi um próspero engenho, ainda sendo possível ver sua fornalha, cuja boca é formada por um arco de espessos tijolos. O clima bucólico associado aos vestígios materiais do vetusto imóvel chegam a causar certa nostalgia até mesmo para quem não presenciou os dias de glória daquele reduto da matriarca comumente chamada pelo povo de “Dona Bárbara do Crato”.  
         Nenhuma medida existe para preservar o que resta, nem por parte da família Alencar nem por parte dos gestores públicos. Aliás, ressalte-se que a cidade do Crato, da mesma forma que o Juazeiro do Norte, pode se vangloriar de ter destruído uma das duas principais moradas de Dona Bárbara, pois a casa da Praça da Sé, com beiral colonial, foi demolida para dar lugar ao atual prédio da Secretaria da Fazenda do Estado Ceará. É demasiadamente paradoxal, pois como pode a região do Cariri tanto se gabar de Bárbara e dos seus filhos ao passo que pouco faz para preservar sua memória?
         Passando ao largo dessas aflições e denúncias inúteis, nós (eu, padre Roserlândio e o Ronald) continuamos nossa caminhada insatisfeitos com as informações colhidas, pois o mal do pesquisador é sempre querer obter mais e mais. Então, retornamos as nossas habitações.
         Ao final da tarde me dispus a deixar o Ronald na Rodoviária do Crato, pois ele pretendia retornar ao Aquirás/CE. No caminho, resolvemos parar no cemitério da referida cidade para examinar alguns túmulos dos mais antigos. Passando por diversos nomes de gente graúda da cidade, terminamos nos deparando com uma lápide muito velha, datada de 1861. O formato piramidal por si só já chamava a atenção. Ao ler o epitáfio tivemos a surpresa de que ali jazia a neta de Dona Bárbara de Alencar, conforme rezava a inscrição do branco mármore: “AQUI JAZ/ DONA MARIA MARTINIANA D’ALENCAR/ FILHA LEGÍTIMA DO CAPITÃO JOÃO GONÇALVES PEREIRA D’ALENCAR E ESPOSA FIEL DE JOSÉ DE SOUSA ROLIM/ NASCEU A 11 DE JUNHO DE 1811/ FALECEU A 24 DE JULHO DE 1861”.  
Túmulo de D. Maria Martiniana de Alencar.
         De imediato me veio na mente o que escrevera um dos trinetos de Bárbara Pereira de Alencar, José Carvalho, numa publicação do ano de 1920, ao dizer que um inglês naturalista, George Gardner, havia descrito uma das netas de Dona Bárbara quando esteve na então Real Vila do Crato, em visita ao filho mais velho desta, o Capitão João Gonçalves, exatamente no Sítio Pau Seco, no ano de 1838.[1]
         O Capitão João Gonçalves era homem pacato e foi o único filho de Bárbara que não se envolveu nos movimentos revolucionários de 1817 (Revolução Pernambucana) e 1824 (Confederação do Equador). Ocorre que em 1838 o dito capitão foi visitado pelo inglês George Gardner que, por ser médico, ia consultar algumas pessoas no Sítio Pau Seco, as quais estavam sofrendo com a “Sapiranga do brejo”, isto é, o tracoma, muito comum na região. Assim disse o próprio Gardner:

Vivi cinco meses no meio desta gente; mas em nenhuma outra parte do Brasil, mesmo durante mais curta residência, fiz menos amigos ou vivi em menos intimidade com os habitantes. Além do senhor Melo, o único indivíduo cuja casa visitei frequentemente era um outro filho do velho vigário, Capitão João Gonçalves, dono de um engenho de açúcar (rapadura), a duas léguas da cidade. Conheci-o pela primeira vez quando veio me consultar a respeito de sua esposa, que sofria de oftalmia crônica. Era homem amável, de excelente qualidade, de quem ainda conservo agradável lembrança das horas passadas em sua casa. Os olhos de sua mulher melhoraram muito sob meu tratamento e, como era muito comunicativa e bem humorada, tínhamos longas conversas sobre os usos e costumes de nossos respectivos países. A família compunha-se de duas filhas, uma delas casada, vivendo dezesseis léguas de distância em lugar que visitei depois; a mais nova, bela moça de uns dezesseis anos, teve acanhamento de aparecer-me e não a vi nas primeiras duas ou três visitas. Mas, como me disse a mãe depois; sua curiosidade de ver um inglês e conversar com ele, acabou por vencer de todo o seu retraimento, de modo que passou sempre a aparecer quando eu lá estava. Ia se casar com um irmão mais moço do cunhado, havendo anos já que eram noivos. É bem raro aqui que as moças das famílias respeitáveis tenham liberdade de escolher maridos por si mesmas; são os pais que se incumbem dos arranjos em tais casos.[2]    

            Depois de reler este trecho, fiquei remoendo a possibilidade de a pessoa sepultada naquele túmulo ser a mesma que o inglês havia conhecido no Sítio Pau Seco, a filha caçula do Capitão João Gonçalves. Dessa forma, recorri a leituras que pudessem complementar a narrativa de Gardner. O resultado foi que encontrei mais dois filhos do casal João Gonçalves de Alencar e Luíza Xavier da Silva, quais sejam: Cesário Gonçalves de Alencar e Alexandrina Xavier de Alencar.[3]
         Porém, diante da escassez dos dados documentais, como saber a idade das filhas do Capitão João e, assim, identificar a mais nova? 
         Pelos escritos de José Carvalho, infere-se que o seu bisavô, o Capitão João Gonçalves, teve quatro filhos (três mulheres e um homem), sendo que um destes rebentos se chamava Bárbara (Auta de Alencar), casada com Manoel da Cruz Rosa Carvalho (avós de José Carvalho). Mas não parou por aí, pois o referido autor também revela ter conhecido a sua tia mais moça, nos seguintes termos: “Ainda a vi, já velhinha; foi realmente casada com um irmão de meu avô, o qual residiu no sítio Ouro Preto, em Salgueiro, Pernambuco, onde deixou descendência”.
         A esta altura, as pistas já eram suficientes para chegar à conclusão de que aquele túmulo não era o da filha mais jovem do Capitão João Gonçalves, pois a lápide de Dona Maria Martiniana d’Alencar diz que ela nascera no ano de 1811. Paralelamente, Gardner havia anotado em seu diário, em 1838, que a filha “mais nova” do capitão teria “uns dezesseis anos”. Logo, ao fazer a subtração das datas, conclui-se que Dona Maria Martiniana, ao tempo da visita do inglês, possuía 27 anos, aproximadamente.
         De posse dessas informações, sabia que, agora, bastava encontrar o nome do irmão do avô de José Carvalho, Manoel da Cruz Rosa Carvalho, para, assim, desvendar o nome de sua esposa e, por conseguinte, identificar a derradeira filha do Capitão João Gonçalves.
         Desta feita, dando prosseguimento à investigação, recorri a um trabalho de genealogia sobre a família Alencar, de autoria de José Roberto de Alencar Moreira, mas, infelizmente, não encontrei o que tanto procurava. Ainda com muita curiosidade, continuei pesquisando e, por fim, nos escritos de Yoni Sampaio descobri que:

Joaquim Manoel Sampaio. Nasceu em 1849. Major da Guarda Nacional. Foi chefe político em Salgueiro. Casou com Bárbara Docelina de Alencar, filha de Antônio da Cruz Neves Júnior, Toínho do Ouro Preto, e de Alexandrina Xavier de Alencar, Dondón Alencar.

            Com estas informações, ficou tudo resolvido! A filha caçula do Capitão João Gonçalves, Alexandrina Xavier de Alencar, que o inglês havia mencionado, não é a que está no túmulo do cemitério do Crato, isto é, Dona Maria Martiniana de Alencar.
         Ao fim, dei-me por satisfeito, pois, por obra do acaso, quiçá do destino, encontrei uma das netas de Dona Bárbara Pereira de Alencar, num jazigo, aparentemente, esquecido, a espera de alguma luz além da escuridão do interior de sua velha cripta piramidal.

Idem.



[1] CARVALHO, José, Heroína Nacional: Bárbara Pereira de Alencar, In Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza – Ceará, 1920, p. 213.
[2] Gardner, George, Viagem ao Interior do Brasil: principalmente nas províncias do Norte e nos distritos do ouro e do diamante durante os anos de 1836-1841, São Paulo, Editora da Universidade do São Paulo, 1975, p. 94.
[3] MOREIRA, José Roberto de Alencar, Vida e Bravura: Origens e Genealogia da Família Alencar, Brasília, CERFA, 2005, p. 210.

2 comentários:

  1. Muito bom. Sou bisneto de Gualter Pereita de Alencar, mas ainda não consegui decifrar a relação com um dos filhos de Joaquim Pereira de Alencar, pai de Bárbara de Alencar.

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  2. Descaso total como um cripita pode estar dessa forma abandonada, tão importante preservar um história do nosso País lamentável ...

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