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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O PRIMEIRO ADVOGADO DO CARIRI CEARENSE: DOUTOR MANUEL DE SÃO JOÃO MADEIRA

O PRIMEIRO ADVOGADO DO CARIRI CEARENSE: DOUTOR MANUEL DE SÃO JOÃO MADEIRA
                                                                      
                                                                                  Heitor Feitosa Macêdo

         No presente, a região do Cariri cearense, ao sopé da Chapada do Araripe, sul do estado do Ceará, goza de um número substancial de advogados, mas nem sempre foi assim, pois, no nascedouro da colonização branca, estes profissionais eram escassos e somente nos idos da metade do século XVIII um deles fez residência na dita região.
         A história sobre a advocacia no Brasil é omissa, pois, como se vê no site da Ordem dos Advogados do Brasil, (OAB − disponível em: <http://www.oab.org.br/historiaoab/antecedentes.htm>. Acesso em: 05/01/2016), dá a entender que estes profissionais caíram de paraquedas no País logo após a Independência, quando a Assembleia Constituinte de 1823 previu a criação dos cursos jurídicos (os quais só foram inaugurados em 1828) bem como com a fundação do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) em 1843, avô da OAB.
         Mas antes disso não havia advogados no Brasil? É claro que sim, porém, pouca gente se preocupa em saber, e, na tentativa de remediar este hiato histórico, um desses profissionais será rememorado, para que se faça justiça ao primeiro advogado caririense, ou, como também se costuma dizer, caririzeiro.
         No Ceará, em 1710, aproximadamente dez anos após a fundação da primeira vila da Capitania do Ceará, apenas dois advogados aí residiam: Manoel Monteiro e Jorge da Silva, providos pelo capitão-mor e confirmados pelo governador de Pernambuco. Decerto, no Cariri, a situação era bem pior, pois, devido ao distanciamento do litoral, seu povoamento regular (europeu) só teve início a partir de 1703.
         Velhos documentos comprovam que muitos advogados estiveram exercendo a função no então sertão dos Cariris Novos (Cariri cearense), contudo, o primeiro profissional a ir morar nesta região foi o português Manuel de São João Madeira (na década de 1750).
         O dito patrício veio ao mundo na Vila da Aldeia Galega (Portugal), também conhecida, até o ano de 1930, por Aldeia Galega do Ribatejo, quando passou a se chamar Montijo, ficando bem ao lado de Lisboa. Acrescente-se que esta última cidade foi o berço natal da mãe do dr. Madeira (chamada Antônia Luiza), enquanto seu pai, Manuel Pinto Madeira, que também era português, nasceu na Vila de Palmela (Parmela), localizada ao lado da referida Vila da Aldeia Galega.
         O doutor Manuel era bacharel em Direito, formado pela antiquíssima faculdade de Coimbra, tendo imigrado para o Brasil na época em que a mineração propiciava grande rentabilidade à Coroa portuguesa. Este detalhe deve ter motivado sua ida ao sul do Ceará, pois tal região estava no roteiro das minas de ouro, que aí foram descobertas em 1752, e, contudo, só foram exploradas até o ano de 1758.
         Em 1731, o doutor Manuel de São João Madeira já se encontrava residindo na Capitania de Pernambuco, na condição de funcionário público, porém, deslocou-se para a vizinha Capitania do Ceará Grande para ocupar outro cargo, desta vez, como fiscal das Minas de São José dos Cariris Novos, sendo nomeado no ano de 1753.
Carta do capitão comandante e intendente das minas dos Cariris Novos, Jerônimo Mendes da Paz, ao governador de Pernambuco, Luís José Correia de Sá, sobre as minas de São José dos Cariris e a nomeação do doutor Manuel de São João Madeira para ser fiscal delas. Carta escrita em 1753.
         Apesar de ter feito parte da administração pública, o dr. Manuel de São João Madeira, em meados de 1753, atuou como advogado de um dos homens mais poderosos que residiam no Cariri, o sergipano Francisco de Magalhães Barreto e Sá (este, na condição de réu), o qual litigou judicialmente contra Ana Lobato (autora da ação e irmã de Maria Ferreira da Silva, doadora da terra que hoje compõe a cidade do Crato/CE) por uma fértil faixa de terra, o Sítio da Barbalha (na época, descrito entre os sítios Lagoa e Salamanca), circunscrito pelo atual município de mesmo nome. Esta celeuma se deu entre dois grandes latifundiários, sendo resolvida perante o juiz ordinário da Vila do Icó/CE, ou seja, por um juiz leigo, que não era bacharel em Direito.
         No Cariri, o dr. Madeira estabeleceu-se definitivamente, no mesmo espaço em que hoje existe parte do perímetro urbano da cidade de Barbalha, no Riacho do Ouro, onde viveu em concubinato com a baiana Izabel Francisca, deixando com ela vários descendentes, dentre eles um neto chamado Joaquim Pinto Madeira, líder de uma das maiores revoltas já vistas nos sertões do Nordeste e, por ironia do destino, vítima da manipulação do sistema judiciário.
         A vida deste advogado, até agora, foi pouco explorada, e isto talvez se deva à escassez de documentos ou mesmo à influência que a historiografia local sofreu com os conflitos pessoais de seus narradores em épocas passadas (neste sentido, cabendo destacar a ojeriza que os republicanos do Cariri e seus descendentes alimentaram contra Pinto Madeira, fato que, possivelmente, deve ter inebriado a pena de muitos estudiosos).
         Entender nossas origens é mais que um dever, pois, na verdade, é uma dádiva oferecida a poucos. Sendo assim, é oportuno realçar este importante personagem da história caririense para melhor entender as causas do passado que ajudaram a construir a realidade presente.

         Como disse o célebre advogado romano Marco Túlio Cícero: "Não basta adquirir sabedoria; é preciso, além disso, saber utilizá-la".

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