Páginas

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O ABRAÃO CRATENSE: CORONEL MAÍNHA

O ABRAÃO CRATENSE: CORONEL MAÍNHA
           
                                                                                   Heitor Feitosa Macêdo

   
Coronel José Francisco Pereira Maia, coronel Maínha (Fonte: Álbum do Seminário do Crato).
        
José Francisco Pereira Maia (também conhecido por Coronel Maínha) nasceu no dia 08 de maio de 1803, na freguesia de Nossa Senhora da Penha, em Crato/CE, e foi batizado no dia 25 de maio de 1804, sendo filho do português Francisco Pereira Maia Guimarães e de uma cratense, Maria Isabel da Penha, bisneta do célebre tenente José Pereira Aço.
Assentamento de batismo do coronel José Francisco Pereira Maia (Fonte: Departamento Histórico Padre Antonio Gomes de Araújo, Crato/CE).

         O português Francisco Pereira Maia Guimarães, certamente, recebeu como dote de sua esposa uma faixa de terra regada por nascentes no Sítio Fábrica, cabeceiras do Rio Carás (no município do Crato), onde, em 1829, possuía um engenho corrente e moente, isto é, movido por água e por tração animal, respectivamente. Um pouco antes, no ano de 1817, este patrício havia tomado parte na Revolução Pernambucana, porém, com a Guerra de Independência, em 1822, o ódio aos portugueses havia se alastrado, passando os lusitanos a serem tratados com violência, fato que deve ter contribuído para o seu retorno a Portugal.
         Mesmo tendo seu pai regressado à Europa, José Francisco Pereira Maia continuou no Brasil, residindo no Sítio Monte Alegre, na Região do Cariri cearense, onde era dono de muitos imóveis rurais, possuindo várias propriedades no Crato, a maioria delas, praticamente, dentro da mesma área que seu trisavô, José Pereira Aço, havia senhoreado no século XVIII, às margens da ribeira do Carás. Estando entrelaçado à família Alencar e, consequentemente, à causa republicana, o clã a que pertencia Maínha findou se envolvendo nas tragédias político-familiares da era de 1800. Explica-se!
         O coronel Joaquim Pinto Madeira, chefe político na Vila de Jardim/CE, havia se colocado do lado oposto à família Alencar e à República, inclusive tendo realizado a prisão de alguns de seus integrantes durante as turbulências de 1817. Mas o que isso tem a ver com o coronel Maínha?
         A Revolta do Pinto, ou Revolta de Pinto Madeira, ou, ainda, Revolta Restauradora Caririense, frutificou de divergências políticas e pessoais. Na esfera política, ligava-se ao ideário defendido por Pinto Madeira, em trazer D. Pedro I de volta ao trono do Brasil (depois do episódio da abdicação), plano arquitetado pelos Restauradores. Já na esfera pessoal, o antagonismo havia sido gerado por intrigas particulares, que iam desde a vexação pelo cárcere às mortes praticadas nos tempos das lutas de 1817 e 1824 (sendo esta última data marcada pela Confederação do Equador).
         Joaquim Pinto Madeira, entre os anos de 1831 e 1832, comandando milhares de cabras armados, principalmente de cacete, deflagrou a dita revolta, dominando boa parte do Cariri, no entanto, terminou sendo preso e remetido para os cárceres do Maranhão, donde fora, finalmente, reenviado ao Ceará, para ser julgado pelos crimes políticos cometidos durante a rebelião. Quando o coronel Pinto Madeira foi transferido para o Ceará, em 1834, José Martiniano de Alencar já exercia o cargo de presidente desta província (governador), e não hesitou em fazer remessa do dito preso para o Crato, onde foi imediatamente submetido ao Tribunal do Júri.
         Cabe salientar que, além do juiz que presidiu o dito júri, muitos dos jurados que faziam parte do Conselho de Sentença possuíam consanguinidade com a família Alencar, estando igualmente ligados por algum vínculo de parentesco ao Coronel Maínha, sendo eles: Antonio Ferreira de Lima Sucupira, o capitão Romão José Batista, Raimundo Pedroso Batista e José Ferreira Castão.
         Maínha atuou diretamente na execução da sentença, tendo negociado a permuta de enforcamento por morte mais honrosa, o fuzilamento, sob o argumento de Pinto Madeira ter sido coronel de milícias. Conta-se também que, no alto do Barro Vermelho (no tope da atual ladeira Duque de Caxias, Bairro Pinto Madeira, em Crato, nas imediações da Cruz do Século), onde estava erguida a forca feita de aroeira, o Coronel Maínha aproximou-se do condenado para lhe oferecer um lenço, a fim de que cobrisse o rosto no instante dos disparos, todavia, este recusou a oferta, dizendo em tom de soberba: eu também tenho.
         Ainda se discute de quem teria sido a culpa do Assassínio Jurídico de Pinto Madeira. Alguns acusam José Martiniano de Alencar, outros apontam José Vitoriano Maciel e uma parcela indica José Francisco Pereira Maia, o qual, na opinião de Eusébio de Sousa, foi a alma de toda essa tragédia. Todavia, o padre Antonio Gomes de Araújo, acertadamente, pondera que o coronel Maínha era apenas um dos responsáveis pela comédia sinistra que liquidou o coronel Joaquim Pinto Madeira
         Deve ser ressaltado que José Francisco Pereira Maia, ombreando-se a boa parte de seus primos, exerceu vários cargos públicos, pois era coronel da Guarda Nacional, foi delegado de polícia no Crato (demitido em 21 de julho de 1847); juiz ordinário; prefeito interino; vereador; 1º suplente de juiz municipal; deputado provincial nos biênios: 1838 a 1839, 1850 a 1851 e de 1864 a 1868; e, além disso, também recebeu a comenda de Cavaleiro da Ordem da Rosa e do Cruzeiro. Saliente-se que, na vida política, nota-se que o Coronel Maínha não fazia apenas o tipo vingativo e beligerante, mas também paternalista e populista, deixando como sua marca o chavão: eu sou do povo e o povo me pertence.
         A vida pessoal deste indivíduo foi um tanto conturbada, isso porque depois de ter se casado com Clara Bezerra Monteiro, foi visitar o pai em Portugal, levando sua filha Josefina Pereira Maia (que, mais tarde, veio a se casar com José Romão de Norões). Ao retornar ao Cariri, Maínha soube da traição conjugal da esposa, de quem se apartou definitivamente.
         Daí terminou se amasiando com nove mulheres, dentre elas cinco tias do padre Cícero Romão Batista, irmãs de dona Quinô (Raimunda, Antonia, Donana, Terezinha e Ázia Ferreira Castão − primas do Coronel Maínha). Com estas mulheres e outras mais gerou uma prole imensa, de 74 filhos, o que lhe valeu a alcunha de Sábio Abraão cratense (Ver: Padre Antonio Gomes de Araújo, Povoamento do Cariri, p. 118), em alusão ao personagem bíblico, cujo nome, de origem hebraica, significa pai de muitos.

         Por fim, o Coronel Maínha, chefe do partido liberal do Crato, prolífero, polêmico e político, faleceu em sua cidade natal no dia 22 de setembro de 1880, aos 76 anos de idade.    
Nota do trigésimo dia do falecimento do coronel José Francisco Pereira Maia (Fonte: jornal Cearense, dia 09 de outubro de 1880).
     

2 comentários:

  1. Heitor, pelas minhas contas devo ser heptaneto do Coronel Mainha, por via do casamento de sua filha Leopoldina com o Coronel Aristides Ferreira de Menezes. Só agora tomo conhecimento dessa ascendência tão remota, enquanto levanto dados e exploro arquivos em busca de formar um panorama familiar e histórico em que eu me encaixe. De forma que encontrar esse seu texto foi para mim a chave para uma arca. Uma botija de ouro que o tempo não sepultou. Todas as informações que você trouxe devem ser fruto de uma pesquisa muito dedicada e engenhosa, que só enriquece e prestigia a memória do Cariri. Obrigado por compartilhar conosco toda essa riqueza de informações, sobretudo comigo, a quem o assunto diz respeito de certa forma. Sinto agora que conheço uma nova parte de mim, um mundo que me antecede mas que também me compõe. Esse tipo de literatura é um instrumento de perpetuou da história. Não a deixemos morrer.

    ResponderExcluir