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sexta-feira, 5 de julho de 2013

A PARTICIPAÇÃO DO CORONEL JOÃO DE ARAÚJO CHAVES NA GUERRA DE INDEPENDÊNCIA

A PARTICIPAÇÃO DO CORONEL JOÃO DE ARAÚJO CHAVES NA GUERRA DE INDEPENDÊNCIA

                                                                                Heitor Feitosa Macêdo
        
Coronel João de Araújo Chaves, da Fazenda Estreito
         A emancipação política do Brasil e o reconhecimento desse status foram episódios distintos, que merecem ser claramente divisados, pois creditar que o Brasil tenha se desvencilhado de Portugal unicamente pelo pagamento de cerca de 22 milhões de libras esterlinas é um erro.
         O território brasileiro até 1751[1] estava dividido em dois “Estados”, ou melhor, em duas colônias, a do Maranhão (iniciando da província do Piauí e estendendo-se por toda a região Norte, a Amazônia) e a do Brasil (começando do Ceará até a porção Sul do país, ressaltando-se que o atual litoral do Piauí, naquela data, pertencia à província do Ceará).
         Na época da independência pretendeu-se restabelecer o antigo Estado do Maranhão, conforme a vontade da burguesia portuguesa[2] e de D. João VI,[3] que tencionavam continuar na sua administração. Assim, o Brasil ficaria independente, porém, dividido.
         O processo emancipatório fora iniciado em alguns pontos do Brasil antes do suposto grito de D. Pedro I, e, curiosamente, mesmo depois de proclamada a independência, algumas tropas militares mantiveram-se relutantes e contrárias à causa.
         Na Bahia travou-se intensa luta, mas como não havia um exército organizado, foi necessário lançar mão de mercenários ingleses, franceses e alemães, além de milícias e populares, sob o comando de Labatut e, posteriormente, de Cochrane. Assim, os portugueses comandados por Madeira de Melo foram derrotados em dois de julho de 1823.[4]
         Porém, o território a partir do Piauí até a região Amazônica estava sob o domínio português, postando-se à frente desse exército o Sargento-mor José da Cunha Fidié, lusitano nomeado Comandante das armas da província do Piauí em nove de dezembro de 1821, ocasião em que recebera expressa ordem de manter a unidade das Províncias do Norte e a submissão destas à Corte Lusitana.
         Não se pode alegar ignorância por parte de Fidié em relação ao movimento de independência, porque tinha ele ciência da posição de D. Pedro I, mas, mesmo assim, preferiu seguir os propósitos da Coroa portuguesa, realizando a vontade de D. João VI em não entregar o Norte do Brasil ao Príncipe regente.[5]
         Sem ter qualquer notícia desses movimentos pelo país, os sertanejos do interior da província do Ceará proclamaram a independência, havendo destaque para o Crato, onde sua população já havia experimentado outrora, em 1817, a instituição da República. Nesta cidade, a informação sobre a oficialização da Independência, feita por D. Pedro I, somente chegou no dia 26 de dezembro de 1822[6], contudo, o povo cratense já o havia feito desde o dia 1º de setembro de 1822.[7]
         Sob a alcunha de Exército Independente seguiram os emancipacionistas do Crato em direção do Icó, onde a população era predominantemente portuguesa, tomando este reduto e instituindo um Governo Temporário, em 16 de outubro de 1822.
         Do Icó, o Exército Independente, formado por cerca de dois mil homens[8] e comandado por José Pereira Filgueiras, marcha em direção à Fortaleza/CE, que foi dominada pelos líderes caririenses. Então, no dia 23 de janeiro de 1823 os emancipacionistas assumem formalmente o Governo da província do Ceará elegendo-se uma Junta Governativa.[9]
         Mas isso não bastou para os cearenses, os quais, tão logo, cuidaram em expandir o movimento de libertação para o Piauí, constituindo a Força Expedicionária do Ceará, também denominada de Delegação Expedicionária, Exército Expedicionário ou Exército Libertador.[10]  
         Esse exército partira para o Piauí no dia 29 de março de 1823, no entanto, o Cel. João de Araújo se antecipou, pois, saindo dos Inhamuns, chegou à Valença/PI no dia 1º de março de 1823, comandando uma tropa integrada por 300 praças de cavalaria e uma companhia de infantaria[11]. Daí seguiu para Campo Maior/PI às nove horas do dia 07 de março[12], tomando parte no embate do Barranco do Jenipapo no dia 13 do mesmo mês.
         O Coronel João de Araújo Chaves não veio integrando o corpo da Força Expedicionária do Ceará, mas outros contingentes, batizados genericamente por Exército Auxiliar, Força Auxiliadora, Legião Imperial ou Exército Popular Auxiliador,[13] os quais se uniram à primeira ao longo dos meses que se seguiram, durante os embates.
         O Exército Popular Auxiliador era formado basicamente pela força militar de primeira linha (o exército profissional) e de segunda linha (as milícias), além dos chamados voluntários (vaqueiros, agricultores, índios e escravos), constando de gente do Ceará, Piauí e Pernambuco. Tal exército não dispunha de armas suficientes, mas veio a protagonizar a maior batalha pela causa da Independência do Brasil, a Batalha do Jenipapo.[14]
         Fidié havia se ausentado da Capital da Província do Piauí, Oeiras, desde o dia 13 de novembro de 1822, com o propósito de retomar a Parnaíba, que aderira ao movimento de independência no dia 19 de outubro de 1822.[15] A retirada de Fidié com cerca de 2000 homens favoreceu a proclamação da independência em Oeiras, realizada no dia 24 de janeiro de 1823.[16]
         A logística da guerra demandava retomar o controle sobre a capital da província, fato intentado por Fidié, que, saindo da Parnaíba, pôs-se em marcha na direção de Oeiras, mas, antes de chegar ao seu destino, havia de passar por Campo Maior, onde quedavam estacionadas as tropas do Exército Popular Auxiliador, incluindo-se o Coronel João de Araújo Chaves.
         Através de um espião[17], Fidié foi informado da situação em Campo Maior, bem como do deplorável armamento possuído pelos seus oponentes, duvidosamente estimados em 6000 homens[18], em sua maioria munidos de facas, facões, machados e chuços de ferrões. Nisso, Fidié enxergou a vitória, pois, na ocasião, comandava um exército profissional formado por 1100 homens, bem treinado e armado.[19]
         Às margens do Rio Jenipapo, no campo de mesmo nome, a nove quilômetros da Cidade de Campo Maior (ao lado da BR 343), tiveram encontro as tropas inimigas, momento pelo qual se deram combate, iniciado por volta das nove horas do dia 13 de março de 1823, e levado a termo, aproximadamente, às 14 horas do mesmo dia.
         O Exército auxiliar pretendia dar combate às tropas portuguesas em um ambiente que lhes favorecesse, evitando os campos abertos, pois suas armas (espingardas, foices, facões etc.) possuíam pequeno alcance, por isso a melhor opção seria a luta corpo a corpo. Por outro lado, Fidié era especialista em combates em campo aberto, pois essa era a regra na Europa. Logo, as condições à beira do Jenipapo acabaram beneficiando o exército português.
         A tropa portuguesa dispunha de 11 peças de artilharia, afora sobejo armamento e munição, o que não intimidou aos brasileiros, que, com admirável bravura, avançaram sobre o inimigo, desejando espetá-los com suas rudes quicés, lavados pelo heroico impulso do embate, instante em que eram alvejados pela grossa artilharia, indo morrer ao pé dos canhões.
         No entremeio dessa peleja, os patriotas, paulatinamente, conseguiram encurtar a distância que os separava de seus antagonistas, o que lhes conferiu certa vantagem sobre a tropa portuguesa. Mas, ao fim das cinco horas de intensa luta, os brasileiros, sem possuir qualquer treinamento, recuram desordenadamente.
         Apesar de Fidié alegar ter sido o vencedor dessa batalha, sendo essa a versão mais aceita pela história oficial, a verdade é outra, pois, mesmo havendo a debandada dos brasileiros, o Comandante português não atingiu seu objetivo: reconquistar Oeiras.
         A marcha de Fidié fora abortada, sendo ele obrigado a mudar sua rota, rumando para o Estanhado (hoje, cidade de União), de onde se dirigiu para Caxias/MA, reduto de seus ricos patrícios.[20] Além disso, boa parte da bagagem de guerra (munições, armas, dinheiro e o produto de saques de Parnaíba) fora deixada para trás, da qual se apossaram os patriotas.[21]
         Nesse confronto esteve presente o Coronel João de Araújo Chaves, que lutou ao lado dos dois comandantes do Exército Popular (João da Costa Alecrim e Luiz Rodrigues Chaves), bem como na companhia de um de seus parentes, o Capitão Manoel Martins Chaves, comandante interino de Piranhas (Ribeira de Crateús/CE), que veio a tombar morto no campo do Jenipapo.[22]
         A quantidade de mortos nesse evento é imprecisa, mas estima-se 200 brasileiros entre mortos e feridos[23], e mais de 500 aprisionados, enquanto que do lado português apenas 16 homens foram abatidos[24], o que enseja certa dúvida, pois são números dados pelo próprio Fidié, o qual inadmitiu a derrota na batalha do Jenipapo. Afinal, a guerra também era pelo discurso.
         No mais, esse cômputo ficara obstado pelo fato de não se saber onde foram enterrados os brasileiros abatidos no campo inimigo, sepultados sem identificação pessoal e em lugar ermo.[25]   
         Desse momento em diante, a perseguição ao comandante Fidié não cessou, sendo que no dia 20 de março de 1823 o Coronel João de Araújo Chaves se reuniu com o Comandante Rodrigues Chaves, o Capitão Alecrim e o Alferes Salvador Cardoso na Fazenda São Pedro (atual cidade José de Freitas/PI).
         O Comandante português chegou à Caxias/MA no dia 17 de abril de 1823[26], indo se alojar no Morro das Tabocas (posteriormente, Morro do Alecrim, em homenagem a João da Costa Alecrim), para onde também se dirigiram os combatentes do Jenipapo. Estes, chegando ao Maranhão, trataram de cercar o dito morro, no intuito de enfraquecer os inimigos. Dessa forma, distribuíram alguns destacamentos ao redor da área a ser isolada, cabendo ao Coronel João de Araújo e ao Capitão José da Costa Nunes fazerem a guarda da Barra do Riacho Fundo.[27] 
         Durante o cerco, ordens foram expedidas para que os brasileiros pusessem à cintura um cinto de palha de buriti e um ramo verde no chapéu[28], para que não fossem confundidos com os soldados de Fidié.
         Nesse comenos, no dia 26 de julho de 1823, chega a São Luís do Maranhão o Comandante da Esquadra Brasileira, Lord Cochrane, e no dia 28 do mesmo mês foi proclamada oficialmente a adesão do Maranhão à Independência do Brasil.[29] Mesmo sem despender efetivos esforços para esse resultado, Cochrane recebera injustamente as glórias pela Independência do Norte do Brasil, sendo condecorado pelo Imperador com o título de Marquês do Maranhão.[30]
         Em Caxias, o Exército Auxiliador Popular, vencedor da batalha do Jenipapo, recebeu o reforço da Força Expedicionária do Ceará, que chegou ao seu destino no dia 21 de julho de 1823, depois de 115 dias de marcha.[31] À frente de mais de 2000 soldados, na maioria, cearenses, vinha José Pereira Filgueiras, Tristão de Alencar Araripe e Luís Pedro de Melo Cezar.[32] No percurso o contingente aumentou, perfazendo um número de mais de 6000 homens, e, ao chegar a Caxias, somavam-se 18000 combatentes.[33] 
         O Comandante José Pereira Filgueiras tratou de negociar os termos da rendição com Fidié a partir do dia 23 de julho de 1823, mas este se manteve renitente durante a negociata, em razão de que abriu mão do posto de comandante das tropas portuguesas em favor do Tenente-coronel Luis Manuel de Mesquita.
         Desconhecendo a vitória ocorrida em São Luiz,[34] as negociações em Caxias continuavam, até que em 30 de julho os portugueses aprovaram os termos da capitulação (rendição),[35] documento que também foi assinado pelos integrantes da Força Brasileira, sobre o qual igualmente apôs sua rubrica o Coronel João de Araújo Chaves.[36]
         Esses sertanejos foram os verdadeiros responsáveis pela manutenção da unidade territorial do país, pois não fosse sua intervenção, ficaria o Brasil separado da sua Região Norte. Mas, o envolvimento de alguns desses heróis da independência nas guerras civis de 1817 e 1824 resultou num processo de desmoralização de seus feitos e, consequentemente, na proposital negação de seus méritos.
         Os mercenários estrangeiros levaram a fama e o soldo, enquanto a memória acerca da participação dos brasileiros do sertão nordestino foi suprimida pela história oficial até o presente momento.
         Predomina a versão de que a Independência fora comprada. Talvez! Mas só no cenário internacional, no sentido de que Portugal reconhecesse o Estado Brasileiro Independente. Quiçá, mais uma farsa, ou mesmo um presente de 22 milhões de libras esterlinas de um filho a um pai.
         Todavia, algumas centenas de nordestinos verteram sangue sobre o solo pátrio, rubro licor tão rapidamente absorvido pelos torrões quanto o foi a memória da participação desses matutos pela Independência do país.         
         Fato lastimável que envolve o Coronel João de Araújo Chaves, nascido e criado na caatinga do sertão dos Inhamuns, vencedor da Batalha do Jenipapo, protagonista da Guerra de Independência, um dos heróis brasileiros, e, como tantos outros, esquecido intencionalmente pela versão oficial da história.      



BIBLIOGRAFIA:

Freitas, Antônio Gomes de, Inhamuns (Terra e Homens), Fortaleza-CE, Editora Henriqueta Galeno, 1972.

Prudêncio, Antônio Ivo Cavalcante, Heróis da Solidão: Províncias do Norte (1817 a 1824), 1ª Ed., Fortaleza-CE, 2011.

Vicentino, Cláudio, História do Brasil, São Paulo, Editora Scip



[1] Prudêncio, Antônio Ivo Cavalcante, Heróis da Solidão: Províncias do Norte (1817 a 1824), 1ª Ed., Fortaleza-CE, 2011, p. 27.
[2] Ibidem, op. cit., p. 29
[3] Ibidem, op. cit., p. 24.
[4] Vicentino, Cláudio, História do Brasil, São Paulo, Editora Scipione, 1997, p. 166.
[5] Prudêncio, op. cit., p. 35.
[6] Ibidem, op. cit., p. 82.
[7] Ibidem, op. cit., p. 80.
[8] Ibidem, op. cit., p. 81.
[9] Ibidem, op. cit., p. 83.
[10] Ibidem, op. cit., p. 191.
[11] Freitas, Ibidem, op. cit., p. 104.
[12] Prudêncio, op. cit.,, p. 128.
[13] Ibidem, op. cit., p. 121.
[14] Ibidem, op. cit., p. 113.
[15] Ibidem, op. cit., p. 88.
[16] Ibidem, op. cit., p. 103.
[17] Ibidem, op. cit., p. 116.
[18] Ibidem, op. cit., p. 130.
[19] Idem.
[20] Ibidem, op. cit., p. 136.
[21] Ibidem, op. cit., p. 139.
[22] Freitas, op. cit., p. 105.
[23] Prudêncio, op. cit., p. 157.
[24] Ibidem, op. cit., p 138.
[25] Ibidem, op. cit., p. 161.
[26] Ibidem, op. cit., p. 169.
[27] Ibidem, op. cit., p. 179.
[28] Ibidem, op. cit., p. 178.
[29] Ibidem, op. cit., p. 181.
[30] Ibidem, op. cit., p. 184.
[31] Ibidem, op. cit., p. 192.
[32] Ibidem, op. cit., p. 191.
[33] Ibidem, op. cit., p. 197.
[34] Ibidem, op. cit., p. 209.
[35] Ibidem, op. cit., p. 198.
[36] Ibidem, op. cit., p. 200.

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